"Se as várias estimativas que temos recebido se concretizarem, em 40 anos ficaremos sem peixe"

- Pavan Sukhdev, economista e consultor da ONU, sobre o eventual esgotamento dos recursos piscícolas a nível mundial, em 2050 (In Visão 20/26 Maio 2010)

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quarta-feira, 31 de março de 2010

Você sabe mesmo lidar com anzóis? (Parte II)


Para começar a ler este texto pela 1ª parte, CLIQUE AQUI.

Anzol de farpas, vulgarmente utilizado para iscos naturais

Técnica do Avanço, Corte e Retrocesso

Este método exige um alicate de corte, suficientemente robusto e capaz de cortar o aço-carbono dos anzóis, em especial os de maior dimensão. A vantagem deste método de remoção é ser normalmente bem sucedida, mesmo em anzóis grandes.


Depois de cortar a farpa, retirar o anzol, puxando em sentido contrário


A técnica de avanço, corte e retrocesso é mais indicada quando o anzol está próximo da superfície da pele, já no sentido da saída da mesma.
O objectivo é aceder à farpa do anzol – pode ser necessário prosseguir com a penetração! – cortar o anzol após a mesma com o alicate de corte e retirar o anzol no sentido contrário ao da sua entrada.

Em anzóis espetados profundamente pode ser necessário fazer avançar o mesmo para aceder à farpa

Como em todos os métodos referidos, estas operações devem ser efectuadas com destreza e rapidez de forma a diminuir o stress da vítima.

Técnica de Corte e Avanço do Anzol

Relativamente parecida com a técnica anterior, também exige a utilização de um alicate de corte adequado. Neste caso a parte do anzol que se deve cortar é a argola ou patilha de empate, consoante o tipo que o anzol em causa disponha.

Depois do corte, fazer avançar o anzol, puxando-o pela parte já exposta do bico

Este método é particularmente adequado quando o anzol possuiu farpas múltiplas e estas estejam enterradas. Estes anzóis são bastante utilizados na pesca com iscos naturais - vermes, com o objectivo de segurar com mais eficácia o isco o corpo do anzol.
Passa assim por ser o método alternativo ao anterior, empregado quando não é possível retroceder o movimento do anzol, caso as farpas adicionais tenham penetrado na vítima.
Depois de cortado o dispositivo de empate (argola, olhal ou patilha) faz-se avançar o anzol de forma a poder ser retirado, por exemplo, com a ajuda do mesmo alicate, sem no entanto o cortar.

Em caso de penetrações profundas ou anzóis com farpas, não é aconselhável puxar para trás, pelo que esté método é o recomendado

Conclusão

Estas intervenções, apesar da aparente facilidade de execução, não são fáceis de realizar. Os intervenientes devem estar conscientes de que há necessidade de algum à-vontade e até algum sangue-frio, para que sejam bem sucedidas. Recorrer aos cuidados dos profissionais de saúde deve por isso ser – reforço a ideia – obrigatório sempre que nos assalte qualquer dúvida de como proceder ou se a vítima não apresentar serenidade que permita que qualquer uma destas técnicas seja realizada no local onde ocorreu.

É que pode até acontecer em casa, quando preparamos baixadas, estralhos, terminais ou substituímos anzóis triplos e afins!

Recomendações

Tipos de anzol
Existem inúmeros tipos de anzóis, concebidos para as mais diversas modalidades de pesca. O seu formato deve ser considerado, quando precisamos de os remover de um local em que se espetou acidentalmente.



Os anzóis triplos
No caso de anzóis triplos e múltiplas penetrações, a tarefa poderá ficar mais facilitada se separar cada anzol espetado, retirando-os um a um e utilizando depois a técnica mais adequada a cada um. No entanto, se estiver apenas um dos anzóis envolvido, poderá ser mais fácil manusear o conjunto, se utilizar as técnicas da linha de pesca e do avanço, corte e retrocesso. Ainda assim, vale a pena eliminar os bicos e farpas dos restantes que não estejam cravados, evitando assim novas picadas acidentais, quer ao paciente quer a quem o tenta ajudar.

O anzol triplo deve merecer uma atenção especial

Kit de emergência

Por uma questão de precaução, tenho no meu barco, aquilo que considero o Kit de Emergência para estas ocasiões:
- Um alicate de corte - capaz de decepar anzóis 5/0 de mar, um spray anestesiante, bisturis em embalagens individuais esterilizadas, algumas comprensas, soro fisiológico para limpeza de feridas, desinfectante tipo Betadine, algodão em rama e pensos de vários tamanhos.
Considere que o gelo ou os acumuladores térmicos de frio da nossa geleira, quando disponíveis, podem servir em caso de necessidade, como um anestesiante de recurso.

Kit de emergência para anzóis espetados acidentalmente


Cuidados adicionais
Normalmente, nestes casos em que procedemos à remoção dum anzol, não é necessário recorrer à administração de antibióticos, mas como sabemos, qualquer cidadão deve ter a vacinação anti-tetânica em dia, que recordo, deve ser administrada de dez em dez anos, até ao fim das nossas vidas.
Ainda assim, depois de qualquer intervenção deste género, deve-se quanto antes proceder à desinfecção do ferimento com qualquer produto do género Betadine, mantendo a terapêutica e os necessários cuidados de verificação até à cicatrização da ferida.


Texto da minha autoria e publicado na revista Mundo da Pesca, Especial Mar 2009

terça-feira, 9 de março de 2010

Você sabe mesmo lidar com anzóis? (Parte I)

Embora escrito de forma simples, este texto é baseado no documento “Fishhook Removal” dos americanos Matthew Gammons, M.D. e Eduard Jackson, M.D., docentes do Michigan State University College of Human Medicine, East Lansing, Michigan. No entanto, sofreu algumas adaptações e opiniões da minha parte, fruto de 30 anos a mexer em anzóis, de vários tamanhos e feitios.

Embora não sejam muito frequentes os acidentes pessoais envolvendo anzóis, quando acontecem, devemos estar preparados para lidar com eles. A maioria destes ferimentos não é grave e pode até ser tratado no local onde ocorre. Apesar disso, todos os episódios envolvendo anzóis cravados em pessoas, exigem uma avaliação cuidadosa do sítio onde o anzol se encontra, antes de tentar a sua remoção.

Se o traumatismo ocorreu na região ocular, por motivos óbvios nunca deve ser tentada a remoção do anzol. A vítima deve ser de imediato transportada ao hospital e observada por um especialista, removendo-se apenas tudo o que for possível das imediações do anzol e que eventualmente a ele esteja ligado, como a linha, a amostra, os chumbos ou até eventualmente peixes... Se tal não for possível devem tentar imobilizar-se estes acessórios, para que não perturbem ainda mais a vítima.

Por outro lado, sempre que alguma situação nos suscite a mais pequena dúvida relativamente à possibilidade de executar estas operações de forma segura, o paciente deve ser sempre levado ao hospital, onde outros meios de tratamento, como os anestésicos, a pequena cirurgia ou outros meios de diagnóstico como o raio-X, podem proporcionar uma melhor resolução do problema, com os ideais cuidados médicos.


Diversos tipos de anzóis

Em qualquer situação, o primeiro passo é sempre avaliar o estado do paciente, colocá-lo numa posição confortável tanto quanto possível e sobretudo acalmá-lo. De seguida deveremos examinar o local do ferimento provocado pelo anzol e decidir em função do local e tipo de tecido envolvido, se é possível a sua remoção ou se será melhor encaminhar a vítima para o hospital.
No caso de considerarmos ser possível a sua remoção sem recorrer ao hospital, em função do tipo de anzol, - se é simples, com farpas múltiplas ou triplo, devemos escolher qual o método ou métodos a usar para a sua remoção.

As técnicas
As técnicas mais comuns de remoção de anzóis no local de pesca dependem fundamentalmente do tipo de anzol envolvido, da profundidade da penetração no tecido e do local/tipo de tecido.
Assim, estão identificadas quatro técnicas básicas, que depois de conhecidas, nos podem ajudar a resolver um incidente envolvendo anzóis e pessoas, que poderão até nem ser pescadoras:

1 - Técnica do retrocesso, em que o anzol é simplesmente puxado para fora.
2 - Técnica da linha de pesca, com o objectivo de anular a barbela.
3 - Técnica de Avanço, Corte e Retrocesso do anzol.
4 - Técnica de Corte e Avanço do anzol

1 - Técnica do retrocesso, anzol puxado para fora.

A técnica do retrocesso é método mais simples, mais lógico e mais fácil de executar, mas o menos bem sucedido na remoção e sobretudo mais doloroso devido à actuação da farpa nos tecidos. Por outro lado não cria ferimentos adicionais, como outros métodos originados pela remoção. Funciona bem para os anzóis com farpas simples e pequenas, espetados superficialmente.


Apertar lateralmente e fazer sair o bico do anzol na direcção oposta, empurrando a zona do empate para baixo

Durante a execução desta operação deve ser aplicada uma ligeira pressão à pata do anzol de maneira a que a farpa desencoste do tecido, enquanto se comprime lateralmente a região lesionada. Desta forma pretende-se ovalizar o caminho aberto pelo anzol e pela farpa, mas que agora irá ser percorrido em sentido contrário, criando assim espaço um pouco mais livre, para a farpa se deslocar com o mínimo de estragos. Quantas vezes já fizemos algo parecido com isto, quando inadvertidamente um anzol se espetou na nossa roupa?
No caso de um anzol de pequenas dimensões em que é difícil pegar, podemos prender um pedaço de fio de pesca à curvatura do mesmo, de forma a poder puxar com mais firmeza.



Puxar na direcção oposta. Com anzóis pequenos, pode-se usar um pedaço de fio para atar na curvatura

A remoção deve ser decidida mas cuidadosa, sendo conveniente um prévio cálculo mental da manobra. Se for detectada alguma resistência durante a remoção e esta estiver a decorrer numa região em que possam existir tendões, a intervenção deverá ser interrompida de imediato e considerado recurso a outra técnica ou mesmo intervenção hospitalar.

Este método deve ser utilizado com precauções adicionais se o anzol de encontrar localizado em determinados pontos críticos, por motivos óbvios. Assim, no caso dos lóbulos das orelhas, extremidade do nariz ou qualquer outra parte do corpo mais sensível e que não esteja solidamente fixa ao corpo, poderão em situações limite, ocorrer lesões adicionais se o anzol for grande e puxado com demasiada impetuosidade. Quando se utiliza esta técnica na variante auxiliada por um pedaço de linha de pesca para facilitar a tracção do anzol, deve ter-se o cuidado de alertar os presentes para a possibilidade deste sair de forma brusca, podendo em casos extremos, ferir alguém mais desprevenido.
Segundo os especialistas, esta técnica é a menos invasiva porque produz menos traumatismos nos tecidos para além dos que já existem e pode ser usada mesmo sem qualquer ferramenta adicional que facilite a remoção de anzóis.

2 - Técnica da linha de pesca, para anular a barbela.
Esta técnica é utilizada em ocorrências em que anzol possui a farpa exposta ou quando se encontra quase nessa condição. Se estivermos em presença da última hipótese, há necessidade de prosseguir com a penetração – tarefa que não é facilmente exequível por pessoas mais impressionáveis, de maneira a que esta fique efectivamente exposta. É um método adequado em zonas de pele e/ou músculo e que não deve ser utilizado em locais delicados e/ou com tendões ou nervos de qualquer espécie.


Depois de colocar a laçada de nylon, puxar o anzol para trás, retirando depois o nylon

Com a farpa exposta deve cortar-se um pouco de linha de pesca – nylon de preferência, de diâmetro aproximado ao tamanho do relevo da barbela. De seguida e dobrando a linha precisamente no local da barbela deve proceder-se à remoção do anzol, puxando no sentido contrário ao da penetração.

O objectivo é que o nylon dobrado na farpa, anule o efeito desta. Depois do anzol afastado, retira-se rapidamente o nylon em sentido contrário. Já vi o recurso a esta técnica pelo pescador profissional americano Hank Parker. Enquanto rodava um vídeo de pesca ao achigã, acidentalmente espetou um anzol num braço, aproveitando para fazer esta demonstração, que certamente não estava prevista no guião do filme. A gravação prosseguiu, enquanto ele removeu o anzol com algum à-vontade, retomando a pesca logo após este percalço!

Esta técnica é a indicada se não possuirmos no local qualquer ferramenta capaz de cortar o anzol e remover a farpa. Se tal for possível – cortar o anzol pela farpa, é preferível o recurso à técnica seguinte.
(Continua...)

Texto da minha autoria e publicado na revista Mundo da Pesca, Especial Mar 2009

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Exóticas, desde quando?

Periodicamente surgem rumores nos meios piscatórios, sobre a erradicação das espécies piscícolas exóticas ou alóctones, que vivem no nosso país. Desta vez, está em cima da mesa, ou se quisermos em discussão e accionado pelo ICNB - Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, a revisão do Decreto-lei 565/99 de 21 de Dezembro ou como é conhecido, o Decreto-lei das espécies exóticas.
O ICNB tem no seu sítio da internet, em “Estudos e Projectos”, uma proposta de revisão para o DL atrás referido, reforçando a necessidade de seguir as Directivas e Convenções Europeias e também Ibéricas, no que toca à erradicação e controle de espécies exóticas.
Mais uma vez, surge a lengalenga da erradicação das espécies exóticas de água doce, em especial as que já cá temos há bastante tempo e pescamos há muito. Neste aspecto, a pesca de mar está a salvo, desta acerbada vontade em querer só o que é nacional. Também é certo que com as recentes Portarias 143 e 144/2009, os pescadores de mar nem precisam de mais preocupações…

As mais exóticas e as menos exóticas
Se quando pensamos em espécies piscícolas exóticas consideramos a perca-sol, o peixe-gato e a lúcio-perca, isto só para referir as que têm dois nomes de família e são menos interessantes em termos desportivos, não podemos esquecer que também estão dentro do mesmo saco rotulado de “EXÓTICOS A ERRADICAR”, a carpa, o achigã e a truta arco-íris, só para dar três exemplos importantes.
A carpa, embora exótica, é um peixe muito desportivo e que muitos pescadores procuram

Uma vez que não existem estatísticas disponíveis sobre o que se pesca em águas interiores, vou valer-me da minha experiência de pescador desportivo, com licença desde há trinta anos: Seguramente, 95% dos objectivos de pesca em água doce visam estas espécies e que como sabemos, até vivem preferencialmente em barragens construídas pelo Homem. Estes peixes são simplesmente as espécies mais procuradas pelos pescadores de água doce!

Onde começa o exotismo?
Importa para já referir que o primeiro a criar exotismos e prevaricar, é o próprio Homem que vem agora chama “exóticas” a estas espécies. A alteração ocorrida num rio, resultante da edificação de cada barragem que construímos, transforma um sistema lótico - de águas correntes, num léntico - de águas paradas e de imediato interrompe a migração reprodutiva das espécies autóctones como o barbo, a boga o sável, a enguia e a lampreia.
Refira-se que o sável e a enguia estão classificados “Em Perigo”e a lampreia “Criticamente em Perigo” no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, disponível no mesmo site do ICNB, embora continuem airosamente a fazer parte das ementas dos restaurantes ribeirinhos, frequentemente com direito a reportagem de televisão e tudo! Onde está a ASAE agora, para fiscalizar a forma como são obtidas estas espécies constantes do Livro Vermelho?
Alcácer do Sal. A verdemã, espécie constante no Livro Vermelho, é comercializada impunemente, sem qualquer controlo

As espécies exóticas como a carpa, achigã e a truta arco-íris, são as que mais se adaptam às águas paradas das albufeiras que construímos, podendo a truta arco-íris habitar também alguns sistemas de águas correntes, sendo certo que mais tarde ou mais cedo irá procurar águas calmas, se entretanto não for pescada. Não é curiosa esta realidade? Nós construímos as albufeiras e depois não queremos lá ter os peixes que mais se adaptam a elas, porque os que habitavam anteriormente esse espaço não se conseguem adaptar à mudança de habitat que lhes impusemos?
Para além disso, algumas espécies como a carpa e o achigã, pelo tempo que já estão entre nós, encontram-se já integrados nos nossos ecossistemas. Certamente com uma gestão adequada a cada género, não serão motivo de preocupações nem riscos ambientais. Por sua vez, as trutas arco-íris não são motivo para preocupações porque simplesmente não se reproduzem naturalmente, pelo que está de imediato controlada a sua existência no estado selvagem.
As carpas e os pimpões foram trazidos pelos Romanos quando se instalaram na Península, na mesma época em que Jesus Cristo vivia na Galileia. Se aos romanos desse período - que seguindo o mesmo ponto de vista, eram exóticos também - não se reconhecem qualidades de gestão piscícola, o mesmo não aconteceu com o achigã. Esta espécie foi importada para Portugal pelo Instituto Florestal, hoje Autoridade Florestal Nacional, não sem antes se ter feito uma avaliação exaustiva e possível à época, sobre a sua interacção com as espécies que possuíamos. O objectivo era regular as populações especialmente de carpas, que começaram a povoar as várias albufeiras que iam sendo edificadas em larga escala pelo Estado Novo, enquanto criava valor para a pesca desportiva. Ou seja, o achigã veio para realizar um trabalho! Foi depois aclimatado e só então utilizado para repovoar experimentalmente algumas albufeiras do sul do país, na década de 50 do século passado.
Como cidadão, parece-me uma enorme falta de respeito que alguém que nem sequer conhecemos, para além de ignorar as consequências das suas acções como é o caso dos ilustres promotores das Directivas Europeias, argumente que espécies que já existiam em Portugal quando eu nasci, sejam para aniquilar.
São grosseiramente ignorados também os proveitos económicos obtidos devido ao potencial destas espécies, quer em impostos para o Estado resultantes do comércio de material de pesca, combustíveis, alojamentos e refeições, bem como as receitas das Licenças de Pesca. Além disso, estes peixes são indiscutivelmente recursos alimentares particularmente acessíveis para as populações do interior, estando já enraizadas na cultura destas gentes, inúmeras variações gastronómicas que envolvem a utilização destes pescados.

E as autóctones?
Se por um lado se verifica uma preocupação deste organismo, sustentado por nós contribuintes, em erradicar as espécies que mais pescamos, não se enxerga qualquer simples esboço para preservar as nossas espécies autóctones.
Basta uma deslocação aos nossos cursos de água salmonídeos para constatar com tristeza a enorme quantidade de lixo cuja proveniência está identificada, preso nas árvores das margens que assim acabam decoradas com sacos de plástico de todos os géneros e cores.

Rio Zêzere, a 10 Km da nascente

As águas apresentam colorações diferentes consoante os dias. A espuma nos rios, passou a fazer parte dos quadros que a Natureza pinta para quem quer ver e só não vê quem vira a cara à realidade.
Os fundos das ribeiras passaram a estar totalmente preenchidos por um substrato castanho, que se eleva e turva a água quando pisado. Esta poeira líquida, proveniente das "modernas" e "eficientes" ETAR´s que construímos, só de há uns anos para cá passou a estar presente nas águas salmonídeas que frequento.
Por outro lado, a extracção de inertes não tem qualquer regulação eficiente e muito menos, fiscalização. É por demais conhecida a importância que os areais desempenham na reprodução das nossas espécies autóctones mais importantes que sobem os rios para desovar, como os barbos, bogas e trutas fário. O que dizer quando se assiste a invasões frequentes nos areais e com muito à-vontade desaparecem várias toneladas de areia, de forma descaradamente impune? Onde estão os elementos fiscalizadores dos nossos rios?
Outro aspecto importante e consecutivamente ignorado pelos organismos que deviam zelar pelas nossas espécies que sobem os cursos de água para desovar, é a questão das escadas para peixes das nossas albufeiras. Não, caro leitor as escadas para peixes, na generalidade das nossas albufeiras não funciona. A maioria está mal concebida, outras não são limpas periodicamente e quase todas estão muito degradadas, basta procurar estudos sobre este tema na Internet para confirmar a triste realidade.
Além de mais, a recente proliferação de mini-hídricas e açudes de praias fluviais, agudizou este problema de forma particularmente preocupante. Para cúmulo, boa parte das praias fluviais foi abandonada, quer por falta de qualidade da água, quer por falta de utilizadores e consequentemente deixaram de ser interessantes para uma exploração economicamente viável. Mas os açudes estão feitos e a barreira aos peixes migradores permanece…

Conclusão
Prepara-se a condenação à morte - é mesmo o termo, dos peixes que já vivem connosco há muito tempo. Mesmo há mais tempo, do que aqueles que agora determinam a sua condenação. De forma desprovida de qualquer sentimento que deveria ter, quem tem por missão “tomar conta” de espécies animais.
É certo que algumas espécies exóticas se tornaram pragas e não possuem o mais pequeno interesse, seja desportivo, gastronómico ou ambiental. Esses, de facto, e exceptuando o facto de estarmos a falar de seres vivos que não têm culpa dos antepassados terem sido trazidos para Portugal, não são uma mais-valia a qualquer nível. Muitas vezes torna-se pragas, como os alburnos, percas-sol ou os peixe-gato, pondo em causa outras espécies interessantes sob um qualquer ponto de vista.
Outros há que não são pragas, (digam-me onde há uma praga de achigãs por favor, porque irei lá já divertir-me…) e/ou têm interesses de qualquer género.
Esperemos que esta psicose patriótica não se estenda às batatas, ao milho e aos bifes de peru, porque também são todos exóticos. No supermercado, encontramos cada vez menos produtos nacionais e um simples saco de alhos chega-nos dum país do outro lado do mundo… porque já nem isso somos capazes de produzir.
Portugal tem reputação de bem receber os estrangeiros, quer venham para trabalhar ou para férias, porque ajudam a nossa economia. Será que não podemos fazer o mesmo com aquelas espécies piscícolas que nos são úteis?

Manifeste-se!
O site do ICNB tem disponível dois contactos de correio electrónico para que onde é possível o envio de comentários sobre este assunto. Aceda a www.icnb.pt, escolha a opção no separador à esquerda “Estudos e Projectos” depois “Espécies não Indígenas” e depois clique em “Processo em Revisão – Dec. Lei nº 565/99 – Base Técnica”. Para acesso directo, clique aqui. Quase ao fundo da página tem os dois endereços para que possa fazer chegar o seu comentário. O acesso é normalmente lento, mas não desista…

Texto publicado na revista "O Pescador" de Maio 2009

segunda-feira, 13 de abril de 2009

As marés e a pesca


Não há pescador de mar que se preze, que não traga sempre debaixo de olho um pequeno livrinho chamado “Tabela das Marés”. Nem que seja só para saber se vai estar a “encher” ou a “vazar” quando chegar ao pesqueiro, ou como vai ser durante a jornada de pesca...
As marés são, como é do conhecimento geral, resultado da influência gravitacional da Lua e do Sol em menor escala, no nosso planeta. Estes astros, proporcionalmente ao seu tamanho e distância a que se encontram de nós, exercem uma força de atracção sobre o lado do nosso planeta que para eles está virado. Também no extremo oposto do planeta se verifica o mesmo fenómeno, ou seja, sempre que por cá temos uma maré alta (preia-mar), no lado oposto do nosso planeta constata-se uma maré alta, também. Nas zonas intermédias verificam-se marés baixas (baixa mar). Devido à fluidez da água, formam-se como que dois “montes de água salgada” em dois pontos opostos da Terra, estando sempre um destes “montes” virado sensivelmente para a Lua. Sensivelmente, porque o Sol embora maior, está muito mais longe, sendo por isso a sua influência, menos de metade que a influencia da Lua. Vale a pena sublinhar que um dos “montes de água” está sempre apontado para a Lua e que a Terra no seu movimento de rotação é que se desloca.
A periocidade deste ciclo é de vinte e quatro horas e cinquenta minutos, o mesmo tempo da duração do dia lunar. Assim, durante este período, existem duas marés cheias e duas marés vazias. Na Lua Nova e Lua Cheia, as forças de atracção do Sol e da Lua somam-se, dando origem às marés mais altas - as Marés Vivas e mais baixas do ciclo - as Marés Mortas.

Influência na pesca
As meias-marés, são aquelas que não sobem muito, mas também não descem muito. Correspondem aos quartos da Lua, sejam crescente ou minguante. Não se formam grandes correntes de água, mais detectáveis para quem pesca nos molhes de entradas das rias ou estuários. Por outro lado, não existe grande movimentação de peixes, que acabam por se manter mais localizados e durante mais tempo. Indicia também menos facilidade de obtenção de alimento uma vez que este não é trazido pelas correntes marítimas e não existe muita erosão nos fundos marinhos que liberte esse alimento. É o período ideal para pescar à bóia e com material mais leve, quer em termos de diâmetros das linhas, quer de peso dos chumbos.
Nas marés vivas existe maior movimentação de tudo o que está na água, quer de peixes, quer de alimento. Neste caso, em situações de marés cheias, detectam-se muitas vezes algumas espécies de peixes que se encontram geralmente em águas mais profundas, e que foram arrastados pelas correntes ou que se deslocam para este novo habitat temporário. A força das correntes revolve com facilidade o leito do mar, pondo a descoberto e até libertando muito alimento que de outra forma estaria inacessível. Os peixes mais pequenos aproveitam este período de abundância e alimentam-se com frenesim. Por sua vez, os predadores aproveitam também a movimentação dos peixes-alimento para fazer o mesmo, o que desencadeia uma intensa actividade a todos os níveis da cadeia alimentar. Para além de soltar alimento, as marés vivas libertam também algas que muitas vezes nos dificultam a pesca tornando-a até impossível em determinados locais. Em termos de materiais pesca permitem-se linhas fortes (normalmente a água está também mais escura) e chumbadas mais pesadas, que não sejam arrastadas pelas correntes.
Em jeito de conclusão, é senso comum dos pescadores de mar que as últimas horas da enchente e as primeiras da vazante, qualquer que seja o tipo de maré, são as que proporcionam as melhores condições. A corrente da enchente está já a decrescer, atinge-se a maré cheia (muita água, muito peixe?) e inicia-se lentamente acorrente de vazante.
(Texto da minha autoria, publicado no Correio da Manhã de 1 de Setembro de 2002)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

A delicadeza contra a força

Por vezes, o gozo da pesca obtém-se pescando de forma muito diferente da habitual. Por vezes, mais vale apanhar um peixe, do que muitos...

O dia de Março estava soalheiro, quente até para época e convidativo para um passeio no rio. Preparei o material de pesca ao achigã, embora o meu objectivo nesse dia fosse realmente outro. Se as condições o permitissem iria tentar capturar um barbo ou uma carpa, com o equipamento de pesca à pluma.
Quando o tempo está calmo, com pouco vento e os dias começam a aquecer é frequente ver nos nossos rios, carpas e barbos de respeito, passeando calmamente junto à superfície em busca de algum insecto caído na água.
Assim, é teoricamente possível pescar estes peixes quase da mesma forma que se pescam as trutas, ou seja com imitações de insectos confeccionados por nós, quer flutuem à superfície ou afundem lentamente.
Comecei por procurar nos pequenos recantos abrigados da ligeira brisa desse dia, sinais das movimentações dos ciprinídeos. Com efeito, num deles havia várias carpas mais pequenas em cardume e uma ou outra solitária de tamanho apreciável, patrulhando a superfície.

Embora tivesse no barco uma cana de pluma de linha #8 que uso para os achigãs e é mais poderosa, optei pela das trutas, de linha #5 e por isso mais ligeira, pela maior discrição na apresentação do isco ao peixe. Assim era possível a queda da pluma na água, sem assustar as carpas que vagueavam a dez centímetros da superfície
Empatei no terminal de 0.14mm, uma ninfa de cabeça dourada em anzol nº 16. Trata-se da imitação de um insecto que passa uma parte da sua vida na água e que depois sobe à superfície para passar à fase alada.
A carpa à qual dirigi o primeiro lançamento passou ao lado do isco sem sequer lhe dispensar atenção. Algumas das seguintes, não reagiam ou mudavam de direcção. Outras ainda, dirigiam-se ao isco mas no último instante recusavam-no, desviando-se.
Estas que se dirigiam ao isco e se desviavam no último instante, tinham a particularidade de me acelerar descontroladamente o ritmo do coração, tornando esta pesca pouco recomendável a cardíacos. E se elas eram grandes...
Apesar de tentar manter alguma esperança, uma vez que algumas se interessavam pelo isco, confesso que estava já com alguma falta de fé...
Nisto, detecto mais uma potencial captura que vinha na minha direcção, nadando paralelamente à margem. Faço o lançamento e puxo ligeiramente o fio para que a imitação se posicione quase à sua frente, caindo lentamente para não a assustar. O peixe direcciona-se para o isco e suga-o de imediato. Ferro instantaneamente. O peixe dispara numa corrida quase à tona e uma dezena de metros depois, efectua um enorme salto fora de água como se fosse um achigã!!!
Eiaaaa…incrível, uma carpa a saltar durante o combate... E é enorme!... digo atabalhoadamente enquanto tento dominar minimamente a situação.
Nisto, o peixe inicia uma corrida fortíssima em direcção ao meio do rio, afundando sempre e levando quase toda a “cauda de rato” que tenho no rudimentar carreto. Volta e mais volta, dá linha, recupera linha...
Quarenta minutos depois de ferrada, o Zé Pedro consegue finalmente içá-la no camaroeiro para dentro do barco. É bem grande, e uma pequena proeza para mim que sempre quis pescar desta forma muito especial, mas que dá um enorme prazer pelo que exige de nós. E uma carpa deste tamanho é um digno adversário para um equipamento tão frágil.

O nylon onde atei a pluma tinha segundo o fabricante uma resistência de 2.300Kg, sem nós, o que não era obviamente o caso. A carpa pesou na minha balança digital 3.400 kg, sendo após a sessão de fotografias, devolvida de imediato à água pelo Zé Pedro.

O que é que mais eu podia oferecer a este peixe, que me proporcionou quarenta minutos de adrenalina, senão a vida?

Texto da minha autoria, publicado no jornal "Correio da Manhã" de 26 de Maio de 2002
P.S. - Lamento a qualidade das fotos mas são "AD" -Antes do Digital!

sábado, 24 de maio de 2008

Pesca para juniores


Amigo pescador, já pensou em levar uma criança à pesca?
Talvez nunca lhe tenha surgido esta ideia. No entanto, sugiro-lhe que considere esta hipótese, se tal ainda não lhe ocorreu e se tiver condições para o fazer. Este propósito pode parecer estranho, em especial para quem leva a pesca mais a sério! Pois bem, acreditem que levar uma criança a pescar, em especial se for nosso filho, além de estreitar relações, tem algo de muito especial e pode tornar-se num imenso gozo para nós, pais babosos, quando os primeiros peixes começarem a surgir. Esta experiência, que pode á primeira vista parecer inocente, tem muito de subjectivo e dá para nos fazer pensar um pouco.
Vejamos:
- Ao levarmos uma criança à pesca, estamos na perspectiva deles, a considerá-los capazes e já com idade para nos acompanhar. Sentir-se-ão mais importantes e responsáveis, porque já conseguiram atingir esse estatuto!
- Nunca se sabe se estamos a iniciar um campeão! É de pequenino que se começa, e eventualmente estamos a desperdiçar tempo!
- Levar uma criança ou um adolescente à pesca, estamos a ocupar-lhe o tempo livre e a desviá-lo de outras actividades que podem não ter nada de útil, podendo até ser prejudiciais. Dito de outra forma, é preferível este passatempo que outro pior. Para exemplo, fica a actuação do governo americano que faz publicidade nas revistas de pesca onde vem a frase: “Ferra-te na pesca e não nas drogas!” acompanhada por uma fotografia de dois adolescentes visivelmente emocionados com o salto de um achigã, que um deles está a pescar.
- Estamos a preparar mais um futuro respeitador e defensor do ambiente. Associando ao que hoje já se ensina nas escolas, com a actividade ao ar livre, encontrarão facilmente o sentido do respeito pela Natureza.
- Estamos a treinar o nosso melhor parceiro de pesca, que até mora na nossa casa! Não tem possibilidades de chegar tarde ao sítio marcado e de nos estragar logo de manhã o dia de pesca!
Como vê amigo pescador, vale a pena a experiência. No entanto, não se esqueça do seguinte: É um aprendiz! E pequeno! Evite perder a paciência, não se irrite com as “cabeleiras” no fio, não ralhe com ele. Se quiser, comece com uma pesca fácil, pouco exigente, e que de dê resultados rapidamente, como por exemplo às percas. Arranje um pretexto para lhe oferecer uma cana directa, não muito grande para não atrapalhar os movimentos, e tenha paciência …
Á medida que ele for evoluindo, comece por levá-lo aos achigãs ou outra pesca mais exigente. Tente descobrir um local onde seja fácil pescá-los, mesmo que sejam pequenos e não se preocupe que tudo está nas proporções correctas! Aproveite para o ensinar a devolver os peixes à água com respeito e delicadeza e diga-lhe o porquê desta atitude.
Se o levar à pesca de barco, não se esqueça nunca, de lhe vestir o colete salva-vidas. As crianças têm um relacionamento muito estreito com situações inesperadas.
Tenha sempre em conta que não vai pescar tanto como gostaria, vai desfazer muitos nós e vai ter que fugir de alguns lançamentos…
Afinal eles merecem todos estes pequenos sacrifícios, não é verdade? …
(Texto da minha autoria, publicado no Jornal Voz do Campo em 1999)

terça-feira, 25 de março de 2008

Trutas à mosca



A truta comum é o peixe autóctone mais selvagem, desconfiado e lutador das nossas águas interiores. Em início de temporada, vale a pena espreitar a forma de as tentar, que mais tradição tem por esse mundo fora...
Pegar num pequeníssimo anzol nº 18, num monte de penas de aves e fazer uma montagem que consiga convencer uma truta que está a ver um insecto... é obra! É realmente o que se passa quando pescamos à pluma ou vulgarmente dito, “à mosca”.
Esta é uma pesca realmente diferente em todos os aspectos e para muitos o máximo estado de graça que alguém pode atingir na pesca de trutas. No entanto, é virtualmente possível pescar qualquer tipo de peixe com esta técnica e com as devidas adaptações: barbos, carpas, bogas, achigãs, lúcios e no mar as tainhas, cavalas, agulhas, carapaus, atuns, robalos, anchovas, etc…
As canas para pescar trutas possuem entre sete e nove pés ou seja respectivamente dois metros e dez e dois metros e setenta. São bastante finas e flexíveis, existindo no entanto de vários tipos de acção. Os passadores do fio são reduzidos à mínima expressão, um pequeno pedaço de arame retorcido e aplicado na cana. O punho obrigatoriamente de cortiça, tem no extremo oposto ao da cana, o porta carretos.
Os carretos são mais um elemento de extrema simplicidade. Não possuem desmultiplicação e alguns, nem sequer embraiagem. Pretende-se o máximo de leveza e funcionalidade, servindo apenas de armazém para as trinta jardas de fio, cerca de vinte e sete metros, tamanho normalizado para esta pesca.
O fio especial e conhecido por cauda de rato é o verdadeiro responsável por projectar os iscos praticamente sem peso, a uma ou duas dezenas de metros. Este fio que pode ser de vários tipos tendo em conta a distância e o tipo de pesca, possui acoplado baixo de linha, onde se liga o isco e é constituído por um fio de nylon de diâmetro decrescente, cujo papel é o de manter a transmissão da energia do fio até ao isco e proporcionar uma apresentação mais discreta, permitindo um poisar suave e natural da pluma.
As os iscos representando insectos que vivem no rio e que servem de alimento às trutas que aí habitam, são normalmente imitados com minuciosas e pacientes montagens efectuadas com penas de uma infinidade de aves, pêlos de animais, ráfia, nylon, fio de cobre e/ou chumbo e cada vez mais materiais sintéticos.

Em cima, imitação de ninfa de tricóptero e em baixo, o mesmo insecto na fase alada

Fazem parte do dialecto de montagem: orelha de lebre, rabo de pato (cul de cannard ou CDC), pescoço de galo, pena de cauda de faisão, fios de lã, pena de pavão, linha de seda, pena de marabu, etc., uma verdadeira macedónia de matérias primas, que passo a passo, dão origem á imitação quase perfeita do insecto que irá trair a truta.
Lançar a uma distância suficiente longa para que a trutas não nos detectem, num rio de águas límpidas, com um isco sem peso, não se afigura à partida tarefa muito fácil. O papel principal de impulsionador deste isco artificial até ao local desejado, pertence à cauda de rato. Este fio deve estar em perfeita harmonia com a cana, sendo também esta elemento importante no desempenho do lançamento. Por exemplo, para uma cana número cinco (#5) é de todo recomendável que se use uma linha cinco, sob o risco de o conjunto não funcionar optimizado.
Assim, este lançamento é efectuado à custa do peso da cauda de rato que se faz voar em falsos lançamentos que permitem o distender da linha, antes da finalização, em que todo o conjunto cai suavemente na água. Esta técnica exige algum treino que convém ser feito junto à água e num espaço desprovido de obstáculos nas proximidades. O melhor para o principiante é descobrir alguém que o auxilie nos primeiros passos, tornando-se depois o progresso muito mais fácil.
Lançar bem, é pois a verdadeira essência da pesca à pluma, como referiu um dos mestres desta apaixonante modalidade!

Texto da minha autoria, publicado no Correio da Manhã de 17 de Março de 2002

domingo, 20 de janeiro de 2008

O anzol, peça de arqueologia

Anzóis antigos, expostos no Museu das Ruínas de Conimbriga

Apesar de os anzóis hoje à venda no mercado serem manufacturados com a mais recente tecnologia, este artefacto é o que menos evoluiu desde à milhares de anos até ao nossos dias.
Quando empatamos um dos nossos anzóis, no extremo da nossa linha de fluorcarbono, bobinada num carreto com muitos rolamentos de inox e construído em grafite, instalado numa cana de carbono de alto módulo reforçado por fibras XPTO, não temos em conta que na História da pesca, esse objecto foi que menos se modificou nos últimos 20.000 anos.
Esta actividade, que o Homem primitivo desenvolveu para sobreviver, foi também uma das que naturalmente mais o obrigou a pensar e aguçar o engenho, para que as suas saídas para a pesca fossem cada vez mais produtivas. Por isso, terá nascido um gancho manufacturado em osso e/ou espinha, eventualmente preso a um pau e que servia para içar os peixes atraídos pelo alimento, colocado maliciosamente no artefacto curvo.
Com efeito, os mais antigos objectos que se podem classificar como anzóis, foram encontrados na zona da antiga Checoslováquia. Eram fabricados em osso de mamífero, e pertenciam a pescadores cujas jornadas de pesca decorreram há 20.000 anos atrás.
Os arqueólogos encontraram anzóis primitivos construídos em osso, espinha de peixe e madeira, em quase todos os locais do mundo. Algures na Escandinávia foram encontrados anzóis datados de um período com cerca de 10.000 anos. No Este da América do Norte foram encontradas gravuras rupestres da idade do Bronze, representando pescadores com varas, linhas, anzóis e peixes.
Na antiga Mesoptânia, em 4.000 A.C., construíam-se anzóis em cobre, surpreendentemente parecidos com os dos nossos dias. Os olhais, as curvas e barbelas mudaram muito pouco desde então. Hoje, os fabricantes usando tecnologia da era espacial, limitam-se basicamente a melhorar o design e o material que constitui o anzol.Provavelmente, os primeiros pescadores desportivos foram os Egípcios, segundo gravuras encontradas. Representavam vários pescadores há 2.000 anos A.C. usando canas, linhas e anzóis.
Na realidade, existem duas vertentes básicas que são as que estão em constante evolução e desde à 4.000 anos: A facilidade ou capacidade de penetração e a resistência à tracção.
A capacidade de penetração, prende-se fundamentalmente (mas não só), com a espessura, qualidade e tipo do bico do anzol. A resistência à tracção é a outra vertente a que os fabricantes estão atentos e desenvolvem continuamente, estando estes dois vectores directamente interligados.
Para melhorar a penetração recorre-se hoje a revestimentos derrapantes, como é o caso do Teflon e pontas de tipo especial, com formatos inovadores e materiais mais resistentes, que mantêm o bico sempre afiado. Estes por sua vez, são afiados a lazer, por processos químicos, etc.. Para melhorar a capacidade de penetração, tenta-se produzir um anzol mais fino - perfura melhor, mas que deve manter a capacidade de resistir aos ímpetos do peixe, ou seja é necessário manter a resistência à tracção. Se assim não fosse, o anzol “abria” ou seja, perdia o formato inicial, o que levaria à inevitável perda da captura.
O recurso a materiais mais resistentes, como o carbono, o tungsténio, titânio, inox, ou misturas entre estes elementos, permite obter uma maior ligeireza e capacidade de penetração, enquanto se mantêm a resitência à tracção. Outro processo para manter essa capacidade passa por "forjar" - que consiste em esmagar ligeiramente - a zona da curvatura, perfilando o metal para a ganhar resistência no sentido que nos interessa.
Desta forma, consegue-se um melhor desempenho dos dois binómios mais importantes, que determina a qualidade final do produto, que hoje reconhecemos no “velho” anzol que distraídamente aplicamos na ponta do fio.

Texto da minha autoria, publicado no Jornal "Correio da Manhã" de 22 Setembro de 2001

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A idade dos peixes



Na crónica deste mês gostava de propor aos que sentem mais curiosidade sobre a vida dos peixes, um exercício que podemos fazer em casa. Trata-se de determinar a idade dos peixes que pescamos.
Esta questão tem obviamente mais interesse quando se trata de grandes exemplares, que não pescamos todos os dias, e que nos fazem pensar quanto tempo este peixe levou até atingir este peso.
Esta curiosidade pode ser satisfeita de uma forma muito simples. Basta-nos que cuidadosamente retiremos uma escama desse peixe de preferencia por baixo da barbatana peitoral, visto que são as que com mais facilidade proporcionam bons resultados. Depois desta operação podemos lavar a escama com água corrente deixando-a depois numa mistura com cerca de metade água e a outra metade com vinagre de cozinha, cerca de 12 horas. Depois basta passar por água corrente e enxugar com um pano seco ou guardanapo de papel, deixando-se de seguida, secar completamente.
Com facilidade e se for necessário em contraluz, conseguimos observar anéis concêntricos a partir do centro da escama. Poderemos recorrer a uma lupa, senão for fácil esta observação à vista desarmada. Cada espaço constituído por uma zona mais esbranquiçada e outra maior e mais transparente, constitui um ano de idade. A área mais clara e pequena corresponde ao período de inverno em que o crescimento é menor devido á pouca actividade desenvolvida. Os espaços maiores correspondem ao período de Verão, com o consequente aumento de actividade e correspondente aumento de crescimento.
Desta forma fácil podemos determinar a idade dos peixes maiores que pescamos ser ter que os sacrificar, deixando que permaneçam no espaço de água onde os pescamos, perpetuando assim a sua espécie.

Texto da minha autoria, publicado no Jornal "Voz do Campo", em Julho de 1999

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Os cinco sentidos


Os achigãs, bem como os restantes peixes e embora com aptidões diversas mas à semelhança dos seres humanos, possuem sentidos que utilizam de maneira muito parecida com a nossa.
O sentido que o achigã utiliza com mais frequência e aquele que é mais vital para a sua sobrevivência é sem sombra de dúvida a visão. Embora os olhos, ao estarem colocados um de cada lado só lhe permitam visão bifocal a escassos centímetros, conseguem distinguir cores se houver luz suficiente, sendo o vermelho a cor que melhor detectam, segundo estudos efectuados. Em situações de pouca luz apenas têm visão monocromática (preto e branco), mas apesar disso vêm melhor que os humanos, nas mesmas condições. Atendendo ao facto dos dois olhos se encontrarem no topo da cabeça, indicam que estão preparados para detectar facilmente presas e alimento que esteja num plano superior.
A audição é provavelmente o segundo sentido mais utilizado. Embora possua ouvidos internos situados logo atrás dos olhos que lhe permitem captar sons de alta frequência, (vibrações), é a linha lateral, zona que se estende lateralmente de ambos os lados do peixe desde os opérculos até à cauda que lhe permite detectar sons de baixa frequência produzidos até próximo dos 25 metros de distância.
O olfacto funciona pouco antes do peixe morder qualquer coisa e a uma distância relativamente curta. No entanto, à medida que o peixe vai crescendo, este sentido vai-se apurando visto que os órgãos detectores são em maior numero num peixe com dois quilos do que num com trezentas gramas.
O gosto e o tacto são utilizados logo que se dá o contacto do peixe com aquilo que mete na boca. De salientar que nos peixes, o tacto está na boca visto que é a única forma que têm para “pegar” nas coisas. Como se deve calcular um achigã terá mais probabilidades de “cuspir” de imediato um objecto duro e sem qualquer tipo de sabor, do que um que seja macio e que liberte uma substância que lhe sugira algo comestível. Daí o facto de actualmente se desenvolverem muitas amostras de plástico mole impregnadas de cheiro e de sabor, uma vez que estes dois sentidos estão interligados. Inclusive existem produtos à venda no mercado que são utilizados para dar cheiro e sabor ás amostras que não os trazem de origem, como é o caso dos iscos artificias fabricados em balsa ou plástico.
Texto da minha autoria, publicado no Jornal "A Voz do Campo" em Agosto de 1999

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Achigã, o que é que este peixe nos faz?


Não são poucas as vezes que dou comigo a pensar qual é o motivo que optei por pescar este peixe tão estranho, com uma boca tão disforme, capaz de engolir uma presa quase do tamanho dele próprio, que normalmente não é fácil de enganar e que ainda por cima não existe em grande quantidade …
As respostas não me surgem com facilidade. Assim de repente, quase que me apetecia pescar outra espécie mais abundante, que me desse resultados mais concretos rápidamente e sobretudo, que me facilitasse um pouco a vida quando tento motivar alguém de novo ou mais novo, para este passatempo.
Em verdade se diga, trazer alguém para esta actividade, não se revela tarefa fácil, hoje em dia. Não é canja eu convencer o meu filho com dez anos, que se pode divertir a pescar achigãs…A ele, que nasceu no meio de amostras e palavrões como Zara Spook e Dying Flutter, constava das primeiras palavras que conseguiu balbuciar… No entanto, quando lhe pergunto se quer ir á pesca, nem pestaneja e fica com cara de quem acha que já lá devíamos estar… Dá-me ideia que por vezes tem mais vontade que eu próprio, embora acabe por gastar uma boa parte do tempo a passear as amostras junto ao barco.
É caso para perguntar: O que é que este estranho peixe nos faz? De que forma é que ele nos contamina as mentes para que nada nos faça desistir de o tentarmos convencer a atacar as nossas amostras?
Não há dúvida de que existe algo de mágico, de droga e dependência nesta pesca. As amostras, cada uma com a sua história, de pescarias passadas. As formas esquisitas dos iscos de plástico mole, que permitem um número quase infinito de montagens e puxam pela nossa imaginação. Os locais onde quase apostamos que, “ali está um grande” Os saltos que um bom achigã executa para sacudir a amostra que o traiu… Os nossos barcos, personalizados ao máximo, que nos gastam muitas horas de bricolage e “nunca está tudo como queremos” As histórias de quem foi a determinada barragem e “era só meter e tirar”... A amizade que se estabelece entre quem partilha a mesma dependência…O contacto que relaciona o bicho Homem e a Natureza, cada vez mais longe do nosso dia a dia … o ver nascer o Sol no meio da água e sentirmo-nos insignificantes perante o espectáculo…
Estas pequenas coisas serão partes importantes dum todo que provavelmente ninguém consegue descrever muito bem, com precisão e sem gaguejar. Provavelmente nenhum pescador de achigãs conseguirá explicar porque optou por pescar esta espécie. Não estou obviamente a considerar quem pesca com objectivos puramente gastronómicos. Estes apanhadores de peixe, facilmente responderão ao porquê desta questão.
É de facto uma questão que envolve algum misticismo, a nossa pesca. É sem dúvida uma grande paixão, pescar este peixe louco, que no fundo traduz um pouco da loucura desta pesca e destes pescadores.
Poucos serão os pescadores de achigãs que terão vindo de outros tipos de pesca. E os que vieram e ficaram, ainda não tinham tido oportunidade de encontrar o que procuravam. Esses já eram achiganistas sem o saberem.
É que um pescador deste peixe, já nasce com esse destino…
Publicado na revista "Achigã" da APPA, em 2000

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A minha primeira truta


O meu telefone tocou.
Era o Tó Zé.
Nem precisava de falar, que eu já adivinhava qual era o desafio...
-Queres ir ver se...
-Quero! Respondi prontamente.
-A que horas?
A tarde não convidava qualquer pessoa com o mínimo de bom senso a sair de casa. Chovia uma água miudinha daquelas que entram pelos ossos dentro.
-Tens um impermeável bom? - perguntou.
-Tenho e não tentes arranjar desculpas porque os peixes estão sempre molhados, mesmo que não chova – retorqui.
Chegamos e tratamos de vestir os impermeáveis rapidamente. Hoje vamos tentar percorrer uma zona completamente desconhecida, para os dois. O Tó Zé já tinha pescado e capturado algumas trutas, numa zona mais a jusante do local onde íamos começar hoje.
Após alguns lançamentos com a medalha dourada com pintas vermelhas nº2, uma truta com cerca de quinze centímetros atacou e lutou para se libertar, chegando quase até mim.
Espectaculares estes peixes!
Têm uma força incrível para o tamanho.
Mas, quando me preparava para lhe pegar, soltou-se.
Ainda bem, é porque não ficou muito picada com o anzol, pensei.
De qualquer forma ia libertá-la, porque não tinha o tamanho mínimo exigido por lei e considero que os peixes desportivos devem ser na sua maioria libertados. Ainda por cima há tão poucas...
Uns bons três quilómetros do local onde começamos e mais duas trutas iguais à primeira, surge um açude no rio. O meu companheiro faz uns lançamentos e continua subindo. Faço mais umas tentativas na queda de água, e resolvo lançar para parte de cima, ainda cá de baixo, mesmo para o meio do rio.
Fecho a asa de cesto do carreto depois da medalha entrar na água e sinto que o isco não vem.
-Bolas, isto já prendeu outra vez em qualquer coisa... digo entre dentes, sem me aperceber em quê. Cá em baixo, tenho dificuldade em ver para cima, no açude. Milésimos de segundos depois, sinto um violento puxão na cana, que me deixa à toa e sem saber o que se passa. Tento pôr-me em bicos de pés, na tentativa de perceber minimamente o que se está a passar, enquanto a cana se sacode sem descanso e o fio vai saindo do carreto aos esticões daquilo que só pode ser uma truta de respeito!!!
Quando finalmente consigo subir para a zona superior do açude enquanto lutava com uma verdadeira truta, vejo graças à limpidez das águas, a maior truta selvagem que já tinha visto, na curta minha existência de truteiro iniciado e inexperiente!
- Incrível! As minhas pernas tremem do esforço recente e da adrenalina. O peixe faz um salto fora de água, para se libertar, a uns bons oitenta centímetro de altura e a uns três metros de mim. Não vou conseguir pescá-la, pensei. Vai-se soltar ou partir o fio ou qualquer coisa do género, para aumentar ainda mais as “estórias” de pesca...
-Tóóóó Zééééé..., gritei.
Pelo menos ele vai ver a “fera” que estive quase a pescar !!!
O Tó Zé chega esbaforido e de olhos esbugalhados com o que vê, entra pela água até junto a mim, enquanto a truta se debate ainda. Se fosse um achigã deste tamanho, há muito que estava na minha mão. Já cansado, este belo peixe deixa-se capturar pelas mãos do meu companheiro de pesca.
- Formidável!!!... Onde é que ela estava, pá?
Não sei o que respondi, porque as minhas pernas não paravam de tremer tal como tudo o resto e o raciocínio estava perturbado...
Tinha atingido os meus objectivos... E tinha ficado provado que o peixe maior nem sempre foge... O Tó Zé ainda pescou nessa tarde duas trutas com mais de dezanove centímetros. Para mim tudo o resto deixou de ter importância nesse dia.
A minha primeira truta Fário a sério, pesava cerca de oitocentos gramas e media quarenta e dois centímetros. Tenho a certeza que vou demorar anos, até conseguir pescar uma maior.
Infelizmente, segundo nos informaram na povoação ribeirinha, a maioria das trutas do local são pescadas à bomba e com venenos, no período de Verão.
E nunca se viu um Guarda Florestal por ali...

Texto da minha autoria para o Correio da Manhã, publicado em Junho de 2001

domingo, 14 de outubro de 2007

PESCAR, o regresso à Natureza



Pescar, tal como caçar, é das actividades que o Homem desenvolve à mais tempo. Porque motivo o Homem mantêm ao longo dos tempos esta actividade?
Desde os tempos mais remotos que o Homem pesca e caça. É sem sombra de dúvida, uma das actividades mais antigas e que ainda desenvolve nos dia de hoje. Nos primórdios, com outros objectivos, de certa forma diferentes dos motivos porque hoje os pescadores se acumulam nos molhes, margens, pontões, barcos e areais, espalhados por todo o lado, onde quer que exista uma massa de água.
A pesca, como desporto, teve um crescimento surpreendente nos últimos anos. Embora não se saiba ao certo quantos pescadores existam em Portugal, (nunca se fizeram estatísticas para a pesca, nem se sabe quanto representa, em termos económicos), sugerem-se valores próximos de um milhão de pescadores, integrando todas as modalidades existentes nos dois grandes grupos: mar e água doce.
Segundo a Direcção Geral de Florestas, em 1997 (último ano com informações disponíveis) foram emitidas 254.000 licenças de pesca de água interiores. Por comparação, em 1980 o número de licenças aproximou-se das 74.500. Verifica-se que, nos 17 anos que separam os dois valores, o número de pescadores mais que triplicou. No entanto, pouco ou nada se fez em termos de protecção para as espécies piscícolas quer de mar, quer de água doce, necessitando-se urgentemente de medidas que ordenem e fiscalizem de forma efectiva, esta actividade.
Com efeito a Lei da Pesca que neste momento regulamenta a Pesca Desportiva em Águas Interiores, remonta a 1962 encontrando-se desactualizada e perfeitamente desajustada do conceito “pesca desportiva” que existe actualmente. O projecto da nova Lei da Pesca em Águas Interiores, aguarda já há alguns anos, debate na Assembleia da República, não se vislumbrando quando tal ocorra, apesar dos protestos dos pescadores e respectivas Associações e Clubes. Mesmo a fiscalização nas Águas Interiores é insuficiente e salvo raríssimas excepções, inoperante e com manifesta falta de meios de intervenção. Para se ter uma ideia concreta desta carência, basta referir os oito barcos existentes em todo o território nacional, pertencentes ao Corpo da Guarda Florestal, ou os 727 elementos que constituem este efectivo.
Por outro lado, é desperdiçada a possibilidade de desenvolvimento para algumas regiões do Interior de Portugal, algumas delas bastante carenciadas, considerando a perspectiva de crescimento deste tipo de actividades, ligadas ao chamado Turismo da Natureza.
Apesar destas contrariedades, motivadas pelas desatenções de quem tutela estas matérias, cada vez há mais gente apaixonada pela pesca, indiferente aos resultados das pescarias.
A grande maioria destas pessoas não tem porventura, como principal objectivo obter produtos para lhes servir de alimento, como acontecia na infância da Humanidade. Provavelmente, se fossem questionadas porque pescam, qual o objectivo de estarem ali, ficariam momentaneamente sem palavras e acabaríamos por não obter uma resposta concisa e concreta.
No entanto, sem o saberem na ponta da língua, os pescadores sabem porque pescam. Sabem que precisam de pescar.
Não de apanhar peixe, mas de pescar. Sabem que precisam de sentir aquele ar puro que não respiram durante a atarefada semana de trabalho. Sabem que precisam de ouvir as gaivotas e os rouxinóis nos canaviais, ver os quadros que a Natureza pintou só para eles, sentir os cheiros que produziu só para eles.
A captura do peixe é sempre um desafio acrescido, claro. Será esta a fase mais primitiva de todo o processo. A captura. O conseguir enganar e dominar um ser que não vive no mesmo meio que o nosso. Vive para lá daquela fronteira limite que é aquela massa líquida, tornada cortina que não permite a permanência e entendimento a estranhos, que não sejam daquele reino.
Cada vez mais, mais pessoas procuram esta actividade. Cada vez mais, o Homem sente necessidade de se identificar com a Natureza, cada vez mais longínqua do nosso dia a dia.
Este é um dos passatempos que não escolhe classes sociais, idades ou sexos. Este é sem dúvida um desporto-passatempo de massas, colocando todos no mesmo patamar, obrigando aos mesmos desafios e dando os mesmos benefícios.
Pouca diferença faz o local onde pescamos e os peixes que tentamos capturar. Cada um terá os seus motivos que o levaram a escolher este ou aquele tipo de pesca. O que é realmente importante é que cada um de nós pesque o tipo de peixe que mais gosta e que o faça nos locais onde mais gosta. O que é importante é que cada um de nós pescadores, se sinta integrado naquele pedacinho de Natureza que está à nossa volta e se sinta feliz, quer consiga ou não pescar o peixe da sua vida…

Texto da minha autoria (actualizado), para o Correio da Manhã de Junho 2001