"Se as várias estimativas que temos recebido se concretizarem, em 40 anos ficaremos sem peixe"

- Pavan Sukhdev, economista e consultor da ONU, sobre o eventual esgotamento dos recursos piscícolas a nível mundial, em 2050 (In Visão 20/26 Maio 2010)

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A minha primeira truta


O meu telefone tocou.
Era o Tó Zé.
Nem precisava de falar, que eu já adivinhava qual era o desafio...
-Queres ir ver se...
-Quero! Respondi prontamente.
-A que horas?
A tarde não convidava qualquer pessoa com o mínimo de bom senso a sair de casa. Chovia uma água miudinha daquelas que entram pelos ossos dentro.
-Tens um impermeável bom? - perguntou.
-Tenho e não tentes arranjar desculpas porque os peixes estão sempre molhados, mesmo que não chova – retorqui.
Chegamos e tratamos de vestir os impermeáveis rapidamente. Hoje vamos tentar percorrer uma zona completamente desconhecida, para os dois. O Tó Zé já tinha pescado e capturado algumas trutas, numa zona mais a jusante do local onde íamos começar hoje.
Após alguns lançamentos com a medalha dourada com pintas vermelhas nº2, uma truta com cerca de quinze centímetros atacou e lutou para se libertar, chegando quase até mim.
Espectaculares estes peixes!
Têm uma força incrível para o tamanho.
Mas, quando me preparava para lhe pegar, soltou-se.
Ainda bem, é porque não ficou muito picada com o anzol, pensei.
De qualquer forma ia libertá-la, porque não tinha o tamanho mínimo exigido por lei e considero que os peixes desportivos devem ser na sua maioria libertados. Ainda por cima há tão poucas...
Uns bons três quilómetros do local onde começamos e mais duas trutas iguais à primeira, surge um açude no rio. O meu companheiro faz uns lançamentos e continua subindo. Faço mais umas tentativas na queda de água, e resolvo lançar para parte de cima, ainda cá de baixo, mesmo para o meio do rio.
Fecho a asa de cesto do carreto depois da medalha entrar na água e sinto que o isco não vem.
-Bolas, isto já prendeu outra vez em qualquer coisa... digo entre dentes, sem me aperceber em quê. Cá em baixo, tenho dificuldade em ver para cima, no açude. Milésimos de segundos depois, sinto um violento puxão na cana, que me deixa à toa e sem saber o que se passa. Tento pôr-me em bicos de pés, na tentativa de perceber minimamente o que se está a passar, enquanto a cana se sacode sem descanso e o fio vai saindo do carreto aos esticões daquilo que só pode ser uma truta de respeito!!!
Quando finalmente consigo subir para a zona superior do açude enquanto lutava com uma verdadeira truta, vejo graças à limpidez das águas, a maior truta selvagem que já tinha visto, na curta minha existência de truteiro iniciado e inexperiente!
- Incrível! As minhas pernas tremem do esforço recente e da adrenalina. O peixe faz um salto fora de água, para se libertar, a uns bons oitenta centímetro de altura e a uns três metros de mim. Não vou conseguir pescá-la, pensei. Vai-se soltar ou partir o fio ou qualquer coisa do género, para aumentar ainda mais as “estórias” de pesca...
-Tóóóó Zééééé..., gritei.
Pelo menos ele vai ver a “fera” que estive quase a pescar !!!
O Tó Zé chega esbaforido e de olhos esbugalhados com o que vê, entra pela água até junto a mim, enquanto a truta se debate ainda. Se fosse um achigã deste tamanho, há muito que estava na minha mão. Já cansado, este belo peixe deixa-se capturar pelas mãos do meu companheiro de pesca.
- Formidável!!!... Onde é que ela estava, pá?
Não sei o que respondi, porque as minhas pernas não paravam de tremer tal como tudo o resto e o raciocínio estava perturbado...
Tinha atingido os meus objectivos... E tinha ficado provado que o peixe maior nem sempre foge... O Tó Zé ainda pescou nessa tarde duas trutas com mais de dezanove centímetros. Para mim tudo o resto deixou de ter importância nesse dia.
A minha primeira truta Fário a sério, pesava cerca de oitocentos gramas e media quarenta e dois centímetros. Tenho a certeza que vou demorar anos, até conseguir pescar uma maior.
Infelizmente, segundo nos informaram na povoação ribeirinha, a maioria das trutas do local são pescadas à bomba e com venenos, no período de Verão.
E nunca se viu um Guarda Florestal por ali...

Texto da minha autoria para o Correio da Manhã, publicado em Junho de 2001

2 comentários:

ZeNeR disse...

Realmente demoraste bué para apanhar outra maior...foi so duas viagens depois... E passado uns meses apanhas-te, e essa sim, a truta que vai continuar a ser o teu record por muitos anos! Já lá vão uns quê? 5anos??

É logico que eu como grande pescador que sou já apanhei 3 dessas num so dia. ahah! (nunca substimem os putos! quando zangados somos lixados!)

Abraço

José Gomes Torres disse...

Pois é zener... não te estiques senão ficas a pescar na banheira. De facto foi pouco tempo depois.
- Ou tás a esquecer que "papai é pescadô?...."