"Se as várias estimativas que temos recebido se concretizarem, em 40 anos ficaremos sem peixe"

- Pavan Sukhdev, economista e consultor da ONU, sobre o eventual esgotamento dos recursos piscícolas a nível mundial, em 2050 (In Visão 20/26 Maio 2010)

terça-feira, 9 de março de 2010

Você sabe mesmo lidar com anzóis? (Parte I)

Embora escrito de forma simples, este texto é baseado no documento “Fishhook Removal” dos americanos Matthew Gammons, M.D. e Eduard Jackson, M.D., docentes do Michigan State University College of Human Medicine, East Lansing, Michigan. No entanto, sofreu algumas adaptações e opiniões da minha parte, fruto de 30 anos a mexer em anzóis, de vários tamanhos e feitios.

Embora não sejam muito frequentes os acidentes pessoais envolvendo anzóis, quando acontecem, devemos estar preparados para lidar com eles. A maioria destes ferimentos não é grave e pode até ser tratado no local onde ocorre. Apesar disso, todos os episódios envolvendo anzóis cravados em pessoas, exigem uma avaliação cuidadosa do sítio onde o anzol se encontra, antes de tentar a sua remoção.

Se o traumatismo ocorreu na região ocular, por motivos óbvios nunca deve ser tentada a remoção do anzol. A vítima deve ser de imediato transportada ao hospital e observada por um especialista, removendo-se apenas tudo o que for possível das imediações do anzol e que eventualmente a ele esteja ligado, como a linha, a amostra, os chumbos ou até eventualmente peixes... Se tal não for possível devem tentar imobilizar-se estes acessórios, para que não perturbem ainda mais a vítima.

Por outro lado, sempre que alguma situação nos suscite a mais pequena dúvida relativamente à possibilidade de executar estas operações de forma segura, o paciente deve ser sempre levado ao hospital, onde outros meios de tratamento, como os anestésicos, a pequena cirurgia ou outros meios de diagnóstico como o raio-X, podem proporcionar uma melhor resolução do problema, com os ideais cuidados médicos.


Diversos tipos de anzóis

Em qualquer situação, o primeiro passo é sempre avaliar o estado do paciente, colocá-lo numa posição confortável tanto quanto possível e sobretudo acalmá-lo. De seguida deveremos examinar o local do ferimento provocado pelo anzol e decidir em função do local e tipo de tecido envolvido, se é possível a sua remoção ou se será melhor encaminhar a vítima para o hospital.
No caso de considerarmos ser possível a sua remoção sem recorrer ao hospital, em função do tipo de anzol, - se é simples, com farpas múltiplas ou triplo, devemos escolher qual o método ou métodos a usar para a sua remoção.

As técnicas
As técnicas mais comuns de remoção de anzóis no local de pesca dependem fundamentalmente do tipo de anzol envolvido, da profundidade da penetração no tecido e do local/tipo de tecido.
Assim, estão identificadas quatro técnicas básicas, que depois de conhecidas, nos podem ajudar a resolver um incidente envolvendo anzóis e pessoas, que poderão até nem ser pescadoras:

1 - Técnica do retrocesso, em que o anzol é simplesmente puxado para fora.
2 - Técnica da linha de pesca, com o objectivo de anular a barbela.
3 - Técnica de Avanço, Corte e Retrocesso do anzol.
4 - Técnica de Corte e Avanço do anzol

1 - Técnica do retrocesso, anzol puxado para fora.

A técnica do retrocesso é método mais simples, mais lógico e mais fácil de executar, mas o menos bem sucedido na remoção e sobretudo mais doloroso devido à actuação da farpa nos tecidos. Por outro lado não cria ferimentos adicionais, como outros métodos originados pela remoção. Funciona bem para os anzóis com farpas simples e pequenas, espetados superficialmente.


Apertar lateralmente e fazer sair o bico do anzol na direcção oposta, empurrando a zona do empate para baixo

Durante a execução desta operação deve ser aplicada uma ligeira pressão à pata do anzol de maneira a que a farpa desencoste do tecido, enquanto se comprime lateralmente a região lesionada. Desta forma pretende-se ovalizar o caminho aberto pelo anzol e pela farpa, mas que agora irá ser percorrido em sentido contrário, criando assim espaço um pouco mais livre, para a farpa se deslocar com o mínimo de estragos. Quantas vezes já fizemos algo parecido com isto, quando inadvertidamente um anzol se espetou na nossa roupa?
No caso de um anzol de pequenas dimensões em que é difícil pegar, podemos prender um pedaço de fio de pesca à curvatura do mesmo, de forma a poder puxar com mais firmeza.



Puxar na direcção oposta. Com anzóis pequenos, pode-se usar um pedaço de fio para atar na curvatura

A remoção deve ser decidida mas cuidadosa, sendo conveniente um prévio cálculo mental da manobra. Se for detectada alguma resistência durante a remoção e esta estiver a decorrer numa região em que possam existir tendões, a intervenção deverá ser interrompida de imediato e considerado recurso a outra técnica ou mesmo intervenção hospitalar.

Este método deve ser utilizado com precauções adicionais se o anzol de encontrar localizado em determinados pontos críticos, por motivos óbvios. Assim, no caso dos lóbulos das orelhas, extremidade do nariz ou qualquer outra parte do corpo mais sensível e que não esteja solidamente fixa ao corpo, poderão em situações limite, ocorrer lesões adicionais se o anzol for grande e puxado com demasiada impetuosidade. Quando se utiliza esta técnica na variante auxiliada por um pedaço de linha de pesca para facilitar a tracção do anzol, deve ter-se o cuidado de alertar os presentes para a possibilidade deste sair de forma brusca, podendo em casos extremos, ferir alguém mais desprevenido.
Segundo os especialistas, esta técnica é a menos invasiva porque produz menos traumatismos nos tecidos para além dos que já existem e pode ser usada mesmo sem qualquer ferramenta adicional que facilite a remoção de anzóis.

2 - Técnica da linha de pesca, para anular a barbela.
Esta técnica é utilizada em ocorrências em que anzol possui a farpa exposta ou quando se encontra quase nessa condição. Se estivermos em presença da última hipótese, há necessidade de prosseguir com a penetração – tarefa que não é facilmente exequível por pessoas mais impressionáveis, de maneira a que esta fique efectivamente exposta. É um método adequado em zonas de pele e/ou músculo e que não deve ser utilizado em locais delicados e/ou com tendões ou nervos de qualquer espécie.


Depois de colocar a laçada de nylon, puxar o anzol para trás, retirando depois o nylon

Com a farpa exposta deve cortar-se um pouco de linha de pesca – nylon de preferência, de diâmetro aproximado ao tamanho do relevo da barbela. De seguida e dobrando a linha precisamente no local da barbela deve proceder-se à remoção do anzol, puxando no sentido contrário ao da penetração.

O objectivo é que o nylon dobrado na farpa, anule o efeito desta. Depois do anzol afastado, retira-se rapidamente o nylon em sentido contrário. Já vi o recurso a esta técnica pelo pescador profissional americano Hank Parker. Enquanto rodava um vídeo de pesca ao achigã, acidentalmente espetou um anzol num braço, aproveitando para fazer esta demonstração, que certamente não estava prevista no guião do filme. A gravação prosseguiu, enquanto ele removeu o anzol com algum à-vontade, retomando a pesca logo após este percalço!

Esta técnica é a indicada se não possuirmos no local qualquer ferramenta capaz de cortar o anzol e remover a farpa. Se tal for possível – cortar o anzol pela farpa, é preferível o recurso à técnica seguinte.
(Continua...)

Texto da minha autoria e publicado na revista Mundo da Pesca, Especial Mar 2009

2 comentários:

lvaladas disse...

Ora ai está um artigo como existem poucos na net.
Os meus sinceros parabens pelo tema escolhido
E muito obrigado , apesar de ja conhecer estas tecnicas e mais outras alternativas nunca é demais reler
Um abraço
Luis Valadas

José Gomes Torres disse...

Caro Luis Valadas,
De facto quase sempre só nos preocupamos em anzóis e peixes, mas esquecemos que muitas vezes que eles se espetam também nos pescadores.
Nada como ter umas luzes para saber retira-los de nós proprios e não arruinar prematuramente a jornada de pesca.
Um abraço