"Se as várias estimativas que temos recebido se concretizarem, em 40 anos ficaremos sem peixe"

- Pavan Sukhdev, economista e consultor da ONU, sobre o eventual esgotamento dos recursos piscícolas a nível mundial, em 2050 (In Visão 20/26 Maio 2010)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Exóticas, desde quando?

Periodicamente surgem rumores nos meios piscatórios, sobre a erradicação das espécies piscícolas exóticas ou alóctones, que vivem no nosso país. Desta vez, está em cima da mesa, ou se quisermos em discussão e accionado pelo ICNB - Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, a revisão do Decreto-lei 565/99 de 21 de Dezembro ou como é conhecido, o Decreto-lei das espécies exóticas.
O ICNB tem no seu sítio da internet, em “Estudos e Projectos”, uma proposta de revisão para o DL atrás referido, reforçando a necessidade de seguir as Directivas e Convenções Europeias e também Ibéricas, no que toca à erradicação e controle de espécies exóticas.
Mais uma vez, surge a lengalenga da erradicação das espécies exóticas de água doce, em especial as que já cá temos há bastante tempo e pescamos há muito. Neste aspecto, a pesca de mar está a salvo, desta acerbada vontade em querer só o que é nacional. Também é certo que com as recentes Portarias 143 e 144/2009, os pescadores de mar nem precisam de mais preocupações…

As mais exóticas e as menos exóticas
Se quando pensamos em espécies piscícolas exóticas consideramos a perca-sol, o peixe-gato e a lúcio-perca, isto só para referir as que têm dois nomes de família e são menos interessantes em termos desportivos, não podemos esquecer que também estão dentro do mesmo saco rotulado de “EXÓTICOS A ERRADICAR”, a carpa, o achigã e a truta arco-íris, só para dar três exemplos importantes.
A carpa, embora exótica, é um peixe muito desportivo e que muitos pescadores procuram

Uma vez que não existem estatísticas disponíveis sobre o que se pesca em águas interiores, vou valer-me da minha experiência de pescador desportivo, com licença desde há trinta anos: Seguramente, 95% dos objectivos de pesca em água doce visam estas espécies e que como sabemos, até vivem preferencialmente em barragens construídas pelo Homem. Estes peixes são simplesmente as espécies mais procuradas pelos pescadores de água doce!

Onde começa o exotismo?
Importa para já referir que o primeiro a criar exotismos e prevaricar, é o próprio Homem que vem agora chama “exóticas” a estas espécies. A alteração ocorrida num rio, resultante da edificação de cada barragem que construímos, transforma um sistema lótico - de águas correntes, num léntico - de águas paradas e de imediato interrompe a migração reprodutiva das espécies autóctones como o barbo, a boga o sável, a enguia e a lampreia.
Refira-se que o sável e a enguia estão classificados “Em Perigo”e a lampreia “Criticamente em Perigo” no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, disponível no mesmo site do ICNB, embora continuem airosamente a fazer parte das ementas dos restaurantes ribeirinhos, frequentemente com direito a reportagem de televisão e tudo! Onde está a ASAE agora, para fiscalizar a forma como são obtidas estas espécies constantes do Livro Vermelho?
Alcácer do Sal. A verdemã, espécie constante no Livro Vermelho, é comercializada impunemente, sem qualquer controlo

As espécies exóticas como a carpa, achigã e a truta arco-íris, são as que mais se adaptam às águas paradas das albufeiras que construímos, podendo a truta arco-íris habitar também alguns sistemas de águas correntes, sendo certo que mais tarde ou mais cedo irá procurar águas calmas, se entretanto não for pescada. Não é curiosa esta realidade? Nós construímos as albufeiras e depois não queremos lá ter os peixes que mais se adaptam a elas, porque os que habitavam anteriormente esse espaço não se conseguem adaptar à mudança de habitat que lhes impusemos?
Para além disso, algumas espécies como a carpa e o achigã, pelo tempo que já estão entre nós, encontram-se já integrados nos nossos ecossistemas. Certamente com uma gestão adequada a cada género, não serão motivo de preocupações nem riscos ambientais. Por sua vez, as trutas arco-íris não são motivo para preocupações porque simplesmente não se reproduzem naturalmente, pelo que está de imediato controlada a sua existência no estado selvagem.
As carpas e os pimpões foram trazidos pelos Romanos quando se instalaram na Península, na mesma época em que Jesus Cristo vivia na Galileia. Se aos romanos desse período - que seguindo o mesmo ponto de vista, eram exóticos também - não se reconhecem qualidades de gestão piscícola, o mesmo não aconteceu com o achigã. Esta espécie foi importada para Portugal pelo Instituto Florestal, hoje Autoridade Florestal Nacional, não sem antes se ter feito uma avaliação exaustiva e possível à época, sobre a sua interacção com as espécies que possuíamos. O objectivo era regular as populações especialmente de carpas, que começaram a povoar as várias albufeiras que iam sendo edificadas em larga escala pelo Estado Novo, enquanto criava valor para a pesca desportiva. Ou seja, o achigã veio para realizar um trabalho! Foi depois aclimatado e só então utilizado para repovoar experimentalmente algumas albufeiras do sul do país, na década de 50 do século passado.
Como cidadão, parece-me uma enorme falta de respeito que alguém que nem sequer conhecemos, para além de ignorar as consequências das suas acções como é o caso dos ilustres promotores das Directivas Europeias, argumente que espécies que já existiam em Portugal quando eu nasci, sejam para aniquilar.
São grosseiramente ignorados também os proveitos económicos obtidos devido ao potencial destas espécies, quer em impostos para o Estado resultantes do comércio de material de pesca, combustíveis, alojamentos e refeições, bem como as receitas das Licenças de Pesca. Além disso, estes peixes são indiscutivelmente recursos alimentares particularmente acessíveis para as populações do interior, estando já enraizadas na cultura destas gentes, inúmeras variações gastronómicas que envolvem a utilização destes pescados.

E as autóctones?
Se por um lado se verifica uma preocupação deste organismo, sustentado por nós contribuintes, em erradicar as espécies que mais pescamos, não se enxerga qualquer simples esboço para preservar as nossas espécies autóctones.
Basta uma deslocação aos nossos cursos de água salmonídeos para constatar com tristeza a enorme quantidade de lixo cuja proveniência está identificada, preso nas árvores das margens que assim acabam decoradas com sacos de plástico de todos os géneros e cores.

Rio Zêzere, a 10 Km da nascente

As águas apresentam colorações diferentes consoante os dias. A espuma nos rios, passou a fazer parte dos quadros que a Natureza pinta para quem quer ver e só não vê quem vira a cara à realidade.
Os fundos das ribeiras passaram a estar totalmente preenchidos por um substrato castanho, que se eleva e turva a água quando pisado. Esta poeira líquida, proveniente das "modernas" e "eficientes" ETAR´s que construímos, só de há uns anos para cá passou a estar presente nas águas salmonídeas que frequento.
Por outro lado, a extracção de inertes não tem qualquer regulação eficiente e muito menos, fiscalização. É por demais conhecida a importância que os areais desempenham na reprodução das nossas espécies autóctones mais importantes que sobem os rios para desovar, como os barbos, bogas e trutas fário. O que dizer quando se assiste a invasões frequentes nos areais e com muito à-vontade desaparecem várias toneladas de areia, de forma descaradamente impune? Onde estão os elementos fiscalizadores dos nossos rios?
Outro aspecto importante e consecutivamente ignorado pelos organismos que deviam zelar pelas nossas espécies que sobem os cursos de água para desovar, é a questão das escadas para peixes das nossas albufeiras. Não, caro leitor as escadas para peixes, na generalidade das nossas albufeiras não funciona. A maioria está mal concebida, outras não são limpas periodicamente e quase todas estão muito degradadas, basta procurar estudos sobre este tema na Internet para confirmar a triste realidade.
Além de mais, a recente proliferação de mini-hídricas e açudes de praias fluviais, agudizou este problema de forma particularmente preocupante. Para cúmulo, boa parte das praias fluviais foi abandonada, quer por falta de qualidade da água, quer por falta de utilizadores e consequentemente deixaram de ser interessantes para uma exploração economicamente viável. Mas os açudes estão feitos e a barreira aos peixes migradores permanece…

Conclusão
Prepara-se a condenação à morte - é mesmo o termo, dos peixes que já vivem connosco há muito tempo. Mesmo há mais tempo, do que aqueles que agora determinam a sua condenação. De forma desprovida de qualquer sentimento que deveria ter, quem tem por missão “tomar conta” de espécies animais.
É certo que algumas espécies exóticas se tornaram pragas e não possuem o mais pequeno interesse, seja desportivo, gastronómico ou ambiental. Esses, de facto, e exceptuando o facto de estarmos a falar de seres vivos que não têm culpa dos antepassados terem sido trazidos para Portugal, não são uma mais-valia a qualquer nível. Muitas vezes torna-se pragas, como os alburnos, percas-sol ou os peixe-gato, pondo em causa outras espécies interessantes sob um qualquer ponto de vista.
Outros há que não são pragas, (digam-me onde há uma praga de achigãs por favor, porque irei lá já divertir-me…) e/ou têm interesses de qualquer género.
Esperemos que esta psicose patriótica não se estenda às batatas, ao milho e aos bifes de peru, porque também são todos exóticos. No supermercado, encontramos cada vez menos produtos nacionais e um simples saco de alhos chega-nos dum país do outro lado do mundo… porque já nem isso somos capazes de produzir.
Portugal tem reputação de bem receber os estrangeiros, quer venham para trabalhar ou para férias, porque ajudam a nossa economia. Será que não podemos fazer o mesmo com aquelas espécies piscícolas que nos são úteis?

Manifeste-se!
O site do ICNB tem disponível dois contactos de correio electrónico para que onde é possível o envio de comentários sobre este assunto. Aceda a www.icnb.pt, escolha a opção no separador à esquerda “Estudos e Projectos” depois “Espécies não Indígenas” e depois clique em “Processo em Revisão – Dec. Lei nº 565/99 – Base Técnica”. Para acesso directo, clique aqui. Quase ao fundo da página tem os dois endereços para que possa fazer chegar o seu comentário. O acesso é normalmente lento, mas não desista…

Texto publicado na revista "O Pescador" de Maio 2009

2 comentários:

José Custódio disse...

Boas amigo!!

Não poderia estar mais de acordo com tudo o que escreves-te-.
Já vai sendo altura de quem manda ter em conta a pesca ludica/desportiva como uma mais valia para o pais tanto a nivel economico como turistico.
Certo é que alguns «exoticos» não trazem realmente quaquer mais valia á população piscicola nacional,concordo com os exemplos que destes onde eu incluo tambem os lucios (esox lucius).

Qualquer dia temos que ir pescar pedras,pois sem carpas e achigãs tendo em conta a situação miseravel que chegaram as «nossas» especies e a protecção que lhes é dada realmete não sei o que será pescavel em portugal.

Cumprimentos para vocês!

José Gomes Torres disse...

Caro Custódio
De facto, há alguns exóticos de duas patas que bem mereciam ser erradicados...
Um abraço para ti e boas plumadas!