"Se as várias estimativas que temos recebido se concretizarem, em 40 anos ficaremos sem peixe"

- Pavan Sukhdev, economista e consultor da ONU, sobre o eventual esgotamento dos recursos piscícolas a nível mundial, em 2050 (In Visão 20/26 Maio 2010)

terça-feira, 30 de outubro de 2007

O que é um saramugo?


Sendo este espaço dedicado à pesca, cabe também aqui fazer referência ás espécies que mais valor têm no nosso país. Este peixe, sem interesse como espécie desportiva, possui um enorme valor como património ambiental, partilhado em parte com o país vizinho.
Este pequeno peixe tem um nome curioso e tem mais para descobrir do que à primeira vista podemos esperar de um animal tão pequeno. No entanto, trata-se uma espécie que muitos pescadores de águas interiores desconhecem por completo, sendo vários os motivos porque deve ser divulgada.
O saramugo é um pequeno peixe de água doce cujo nome científico é Anaecypris hispanica. Trata-se de uma espécie endémica da bacia hidrográfica do rio Guadiana, não existindo por isso em qualquer outro sistema fluvial. Curiosamente, apesar de só existir nesta bacia, nunca foi detectado no troço principal do rio. Actualmente encontra-se com estatuto de espécie “Em Perigo” nos Livros Vermelhos dos Vertebrados de Portugal e Espanha, desenvolvendo-se neste momento esforços conjuntos para evitar a regressão acentuada de que é alvo.
Em Portugal foi detectado em dez das ribeiras afluentes do Guadiana: Xévora, Caia (a montante da albufeira), Álamo, Degebe, Ardila, Chança (a montante da albufeira), Carreiras, Vascão, Foupana e Odeleite (a montante da albufeira).
O seu tamanho em adulto raramente ultrapassa os sete centímetros, podendo as fêmeas atingir um pouco mais. O corpo é estreito e achatado lateralmente, com a cabeça pequena e olhos relativamente grandes. A sua coloração é prateada na zona do ventre, sendo a zona dorsal castanho claro e quase amarelo lateralmente, apresentando por vezes reflexos rosados e alguns pontos negros espalhados pelos flancos. Basicamente a sua forma é semelhante a um pequeno escalo. Pertence á família dos ciprinídeos tal como os bordalos, barbos ou bogas.
Quase nunca ultrapassa os dois anos de idade, segundo estudos efectuados. Alimenta-se de pequeníssimos invertebrados, algas e detritos vários.
Existe nos pequenos cursos de água de pouca profundidade, normalmente com menos de setenta centímetros, com alguma corrente e bastante oxigenados. Os locais com vegetação aquática e fundos de cascalho ou areão grosso, são também factores preferenciais. Durante o período de Verão pode encontrar-se em pequenos pegos formados nas ribeiras, devido ao período seco anual.
As principais ameaças para a existência deste pequeno peixe são de diversa ordem:
-A construção de barragens e açudes impedem a migração para as zonas de desova e criam descontinuidades nos cursos de água, isolando cada vez mais as populações.
-As descargas de resíduos poluentes de diversa natureza.
-As extracções de areias, que alteram as características dos habitats, destroiem a vegetação aquática e eventuais posturas.
-As captações de água, durante o período mais quente, provocam a seca dos pegos de refúgio durante o estio.
-As espécies que não fazem parte do habitat original do saramugo e que eventualmente se possam adaptar e partilhar o mesmo espaço, influenciando assim a sua existência.
Conservar este pequeno peixe no seu habitat natural torna-se uma questão deveras importante. Com efeito, como espécie única a nível mundial torna muito mais motivadora a sua preservação, tal como dos espaços em que habita. Para a que a sua existência seja mantida com bons quantitativos de exemplares, torna-se importante que se anulem ou minimizem os factores que levam à sua regressão.
Só assim, será possível que este pequeno e enigmático peixe, considerado como um factor indicativo de qualidade das águas em que habita, se mantenha e se torne numa valiosa herança para as gerações vindouras.


(Texto da minha autoria, publicado no Jornal Correio da Manhã de 14 Julho de 2001)

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