"Se as várias estimativas que temos recebido se concretizarem, em 40 anos ficaremos sem peixe"

- Pavan Sukhdev, economista e consultor da ONU, sobre o eventual esgotamento dos recursos piscícolas a nível mundial, em 2050 (In Visão 20/26 Maio 2010)

segunda-feira, 7 de abril de 2008

- Achigã... praga? Onde...?


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- A propósito de um texto publicado na revista Nova Gente, sobre Ambiente e espécies invasoras, enviei ao Sr. Director da revista em causa, o seguinte e- mail " aberto":
Exmo. Sr. Director da Revista Nova Gente,
Encontrava-me a desfolhar a vossa revista nº1647 de 07 a 13 de Abril, quando deparo na secção intitulada “Ambiente – Há invasores em Portugal”, considerações sobre algumas espécies denominadas por “invasoras” e onde é referido um peixe, designado por “achigã”.
Se por um lado não surpreende, porque não se espera rigor científico no género de texto e revista, já a imensidade de disparates, especificamente sobre este “invasor de Portugal” em tão pequeno espaço, é de salientar. Não fosse o caso, nem estaria incomodar V. Excelência…
Efectivamente quem lê a peça, fica com a ideia que este peixe foi trazido ilegalmente, dentro de uma garrafa de litro e meio de água, para depois ser libertado à noite e sem que ninguém veja, “trazido pelo comércio e criadores, à boleia em barcos e aviões”.
Para que conste, o achigã foi estudado previamente, trazido, aclimatado e repovoado pelo Instituto Florestal, organismo da Direcção Geral de Florestas, no início dos anos 50 do século passado – há mais de 50 anos, portanto. Foi, porque a construção de grandes barragens ocorridas em Portugal na ocasião, provocou as consequentes alterações de habitat nos meios onde ocorreram.
De um rio de água correntes surgiu um novo ecossistema, completamente diferente, facto que só por si criou novas condições para, por um lado potenciar o desenvolvimento de umas espécies e ao mesmo tempo, minimizar a presença de outras.
Mas foi o Homem que provocou essa alteração, não o achigã, que fique bem claro!
Esta espécie nunca pode ser uma praga - como aliás se verifica na realidade, porque é canibal ou seja, pode controlar-se a ela própria. Além disso e ao contrário do referido, o achigã tem um predador e o pior de todos: O Homem que o persegue, captura ilegalmente nos períodos de defeso devido à insípida fiscalização e o comercializa nos restaurantes, algumas vezes de forma ilegal.
Adianto-lhe ainda que este peixe foi introduzido em mais de quarenta países do mundo, devido justamente à sua mais valia a todos os níveis: Limita o crescimento anormal de populações doutras espécies – algumas sem qualquer tipo de interesse, (estas sim, são pragas), origina aquilo que passou a chamar-se “Actividades de Natureza” e é mais recurso alimentar para as populações do interior. Além disso, auxilia o desenvolvimento regional, como por exemplo no sector de serviços e alojamento para os pescadores desportivos e familiares, comércio de artigos de pesca, ajudando a conter a fuga para os grandes centros urbanos, de onde normalmente vêm este género de textos e opiniões completamente alienadas da realidade.
É aliás recorrente, a origem desta desinformação: Os grupos pseudo-ecologistas, no seu puro fundamentalismo exacerbado, mais preocupados com os mitos que eles próprios criam para sua auto-promoção nos média, enquanto ignoram e fazem ”vista grossa” à realidade das gentes do interior, que lidam directamente com a Natureza.
No entanto, esquecem-se ou omitem a importância de outras espécies “invasoras” no seu próprio bem-estar, como a batata e o milho, só para dar dois rápidos exemplos. Aliás, é a incoerência o principal motivo porque já ninguém os leva a sério e são frequentemente alvo de chacota da população…
Catalogar o mosquito de transmissão do dengue da mesma maneira que o achigã, tal como tal se observa no texto, não tem qualquer comentário que me pareça “escrevível” num nível de linguagem que quero manter…
Para terminar, gostaria de acrescentar que a espécie referida no texto, bem como a imagem apresentada – o Micropterus dolomieu, nem sequer existe em Portugal. A espécie que existe entre nós, bem como nos restantes países onde se entendeu a importância deste peixe, é o Micropterus salmoides, bastante diferente do apresentado.
Aceite o meu e-mail como um desabafo e não como um direito de resposta:
- É que começa a ser preocupante a constante intoxicação da opinião pública sempre pelos mesmos grupos de pessoas, com disparates inclassificáveis…
Atentamente,
José Gomes Torres

13 comentários:

Anónimo disse...

Caro Gomes Torres:
Eis um exemplo de pseudo-jornalismo do mais incompetente que há, na sua vertente mais "pura e crua" e de uma excelente resposta! Aliás, deverias ter exigido publicação atendendo ao direito à resposta (o contraditório). Se ficar pelo "desabafo", é quase certo que a carta irá parar ao "cesto dos papéis" da redacção dessa "revista".
Um abraço
Alberto Reis

Anónimo disse...

O achigã "vira praga" nos rios (!!??)(...)
Possa!!! Nem sequer do brasileiro traduzem!

"Esta espécie nunca pode ser uma praga - como aliás se verifica na realidade, porque é canibal ou seja, pode controlar-se a ela própria."
Embora não seja o caso do achigã, em locais onde haja uma diversidade de espécies razoável, o facto uma dada espécie introduzida ser canibal não implica que não se torne dominante (vulgo invasor/praga). Vide o caso da perca do Nilo no Lago Vitória. Existem extractos no Youtube do doumentário "O Pesadelo de Darwin" onde esta questão é abordada, embora o documentário derive muito para além dos problemas imediatos originados por uma alteração significativa do ecossistema.

S. Ferreira disse...

GT, só te tenho a dizer uma coisa: a tua resposta está EXCELENTE!
É uma pena que estes imbecis não a publiquem, pois merecia destaque, para informar as pessoas menos atentas.
É incrível a quantidade de alarvidades que esta gente publica e ainda por cima um texto repleto de incoerências e disparates. A imagem do achigã de boca pequena é a cereja no topo do bolo, para ilustrar tamanha aberração.
Os filhos da puta (sim, que não têm outro nome) que publicam estes atentados deveriam ser levados à justiça (que não existe no nossso país) e julgados com mão pesada!
Enquanto um de nós existir, estes seres fantásticos, que já fazem há muito parte das nossas vidas, nunca deixarão de frequentar as águas doces Portuguesas!
Um abraço.

José Gomes Torres disse...

Aberto, obrigado pelas tuas palavras. Exigir é coisa que me custa bastante, seja no que for. No entanto, seria uma boa oportunidade para as Associações de defesa desta pesca, mostrarem outro valor, exigindo essa publicação, não eu como simples leitor.
De qualquer forma, já fiz bem a minha parte e psicológicamente já me sinto bem...
Um abraço amigo.
GT

José Gomes Torres disse...

Osvaldo, essa do "vira praga" até me tinha escapado!!!!
De facto, já deve ser o Acordo Ortográfico em testes...
Pois, espécies dominantes e dominadas, tem muito que se lhe diga. Basta ver nas nossas massas de água, qual a espécie dominante em quase todas elas... A carpa!

José Gomes Torres disse...

Sérgio, isto de facto é grave e rápidamente leva a que se diga, o que nos apetece dizer a sério.
No meu caso, resolvi esperar um dia, antes de enviar o mail ao sr. Director da revista, para não escrever tudo o que merecia ser escrito e que os vossos comentários relatam.
Particularmente valiosos são os comentários das pessoas ligadas à investigação e conhecimento cientifico, na área ambiental.
Um abraço a todos pelas vossas palavras.
GT

Anónimo disse...

Os gajos mandam-te prender...!

Unknown disse...

Parabens pela extraordinaria intervenção!
Um "texto" repleto de falta de rigor cientifico e porque não profissional, de alguém que não sabe o que anda a escrever.
O "Chefe" desta, está provado, sabe pelo menos folhear a dita revista. Pedir responsabilidades por tanta asneira e mentira, não sabe! A ilação a tirar é que pelo menos é tão estupido como aquela!
Um abraço
Ramon Menezes

José Gomes Torres disse...

Squinta, já sabes que prender pode ser, mas calar nunca!
As incompetências devem ser denunciadas para que não se tornem um hábito.
Ramon, apreciaste a necessidade do folhear e desfolhear?
Eu não precisava era de dizer onde acabam as folhas da revista, mas teve que ser...

Teste disse...

Muitos parabéns pela interversão foi muito digna e de alto nível, esperar um dia e reflectir é sempre bom nestas situações. Quem possui o dom da palavra e da capacidade de intervenção não se pode deixar ficar.

Fica mais uma vez provado que a nossa actividade é desconhecida pela maioria das pessoas, e que não podemos acreditar em tudo o que lemos nas revistas.

em relação ao desfolhar, só posso dizer que foi um momento único de leitura.

José Gomes Torres disse...

Da resposta atabalhoada que recebi da revista, foi-me transmitido que o texto foi revisto por uma "especialista" em espécies invasoras.
-Parece que vêm aí os marcianos...
Sugeri que fossem contactados alguns investigadores do ISA - Instituto Superior de Agronomia, com trabalhos de campo realizados sobre o achigã, desde há uns anos no nosso país.
Não obtive qualquer resposta ou notícia até ao momento.

Anónimo disse...

Marcada pelo seu ponto de vista forte e incomensurável, esta carta foi-me bastante útil para um projeto de Ciências. Muito obrigado.

José Gomes Torres disse...

Caro anónimo, eu é que agradeço as suas palavras. Não precisa de me agradecer, não fiz mais que a minha obrigação como pescador de achigãs, contra um chorrilho de mentiras e ignorância incontida.
Cumprimentos.